Friday, October 03, 2003

Medo de Mudar?

Mudei de casa duas vezes em um ano. Em uma dessas vezes, mudei de pais tambem. Mudei meus amigos, habitos, meu carro, minha cama, minha vida. Hoje corremos e cozinhamos juntos todos os dias. Somos mais saudaveis. Tambem nao levantamos mais para atender o telefone durante as refeicoes. Somos menos estressados, mais tranquilos. Hoje ele tem licoes de musica e eu de tricot. Estamos expandindo nossos horizontes, exercitando o outro lado do cerebro e descansando a mente dos inevitaveis problemas. Tudo, sem excessao, mudou para melhor.

Passados dois anos, ha mudanca a vista. Outra vez, mudaremos de pais, cultura, clima, ambiente. Voltaremos para os tropicos do calor incessante, das mulheres sensuais de corpos sarados, cabelos alisados e roupas sempre colantes. Voltaremos aos constrastes sociais, aos assaltos habituais, as enchecoes de saco cotidianas. Sim! Teremos familias perto, pressao para ter filhos, seguir as regras, sermos magros, bons filhos.

A dor em partir e a incerteza do que nos espera me faz refletir: "sera que estou com medo de mudar?". Ah, nao consigo admitir a mim mesma esse medo. Nego, REnego! E errado ter medo de mudancas, so os covardes vivem a vida sofrendo por medo do desconhecido! E nos estaremos voltando para o que bem conhecemos, a mesma vidinha de sempre, quem nao gostaria disso? Voltar ao proprio pais, o gostoso apartamento, ficar perto de todos? Por que ter medo de mudar se ja conheco o resultado da mudanca? E como trocar um sapato que me aperta por um do numero certo: sei que a troca resultara em conforto. Conforto em nao pagar aluguel e em saber que meu marido tera emprego garantido. Desconforto de viver sob o medo, as cobrancas, a inveja, a raiva e o odio social. O incrivel e incompreensivel conforto de ter cerca eletrica em volta dos predios.

E hora de admitir. Sim, tenho medo da mudanca e do que podera vir a ser de nos apos um ano la. Mas ao mesmo tempo penso que havera um lado bom: minha mae e amigas estarao proximas. E continuarei morando com e amando minha grande paixao. Mas desta vez sera diferente. Ha uma muralha interna, alta e intransponivel, construida nesses sete anos de relacionamento. Uma barreira de olhares e palavras. Uma porta seletiva que nao deixara passarem criticas destrutivas, ciumes, pessoas insatisfeitas, frustradas e infelizes.

So assim teremos mudado por inteiro.
O Noctivago


Tum, tum, tum pra la.
Tum, tum, tum pra ca.
Tum, tum, tum e senta.
Tum, tum, tum e nao para mais.
Essa e a vida do nosso vizinho de cima.

O senhor Ozaki chegou do Japao ha um ano e dois meses. Percebemos que ele havia mudado devido ao barulho que parecia o de alguem montando moveis. Ele era incansavel, um homem de ferro martelando, parafusando e arrastando coisas 24 horas por dia, preparando o apartamento para a chegada da mulher, dai a um mes. Ele nao dormiu na primeira semana. E nos tambem nao.

Mandamos uma carta: "ola vizinho, desde que voce se mudou nao conseguimos dormir. Por favor, evite fazer barulho de madrugada!" E deixamos o numero do nosso telefone embaixo. A noite, notamos o recado na secretaria eletronica: "solly, solly, I am soooo solly!". Ingles de japones. Como se nao bastasse, ele bateu na porta no dia em que estavamos fazendo geleia e nos trouxe presentinhos, dois chopsticks e um espelho de bolsa para mim. Agradecemos. Mas o barulho continuou.

Passado um ano, ja estavamos acostumados ao barulho. Ate que uma madrugada em julho o sr. Ozaki exagerou: tum, tum, tum sem parar. As paredes do nosso apartamento - todas de madeira - tremiam, ecoavam os seus passos madrugada a dentro. Furiosa, escrevi uma carta "sr. Ozaki, se quiser ficar andando a noite inteira, mude para um apartamento no primeiro andar!". So que desta vez a critica nao foi tao bem aceita. Ele me respondeu com outra carta. A carta de alguem que nao entendeu nada que eu havia escrito. Acabei deixando para la.

E assim foi. Sempre que escreviamos cartas, os barulhos diminuiam consideravelmente. Ele ainda andava as 2:30 da matina, so que nas pontas dos pes. Passados alguns dias, ele se esquecia e voltava a marchar enlouquecidamente. Apelamos para o cabo da vassoura no teto. Dormiamos com a vassoura ao lado da cama para no caso de qualquer emergencia, era so pegar a vassoura e dar tres batidinhas leves no teto. Ele respondia com um passo furioso no local das batidas e depois se acalmava.

O senhor Ozaki se tornou personagem do nosso dia-a-dia. Nossas conversas antes de dormir sempre giravam em torno dele. "Olha o japones! Ele esta nervoso!" ou "puxa, ate que ele esta calminho hoje. Deve ter recebido noticias do Japao". Uma noite, acordei de um sonho ruim. De olhos abertos, assustada, comecei pensar no pesadelo. E la estava o vizinho, martelando o teto. De repente, ele parou. Sentou - provavelmente na cama pois ele estava no quarto. E a cama ruiu. E ruiu. E ruiu. Uau! Os japoneses estavam fazendo aquilo! Fiquei prestando atencao, enquanto os barulhos ficavam cada vez mais rapidos e intensos. Alguns minutos depois, eles terminaram. E o sr. e a sra. Ozaki nao andaram mais aquela madrugada. E eu voltei a dormir, feliz em ter ouvido, pela primeira vez, uma movimentacao agradavel no andar de cima.