Friday, July 01, 2005

Voltar ao Canada fez bem a alma, a pele, ao coracao. Rever a rua onde morei, os caminhos que fazia todos os dias, as arvores, os esquilos. Sinto falta de tudo aqui. Das ruas, das flores, do cheiro do ar, da cor do ceu. Sinto que parte de mim ficou aqui. Parte de mim com 23 anos e alegria nos olhos. Parece que foi ontem que sai e hoje demorou tanto para chegar. Tenho a impressao de que tudo continua como esta - o que nao e verdade, e so olhar em volta. Me pergunto, a cada segundo que passa, se seria bom ter ficado. Como teria sido, se teria sido bom. E finalmente, pela primeira vez desde que voltei ao Brasil, concluo que a volta foi boa.

Friday, February 18, 2005

O Presente de Aniversário

A insônia de segunda acabou sendo produtiva: por que não visitar o atelier daquele artista que tanto gosto? Esse seria o melhor presente que poderia existir, a realização de um sonho antigo. Hoje, esta noite, sentada no sofá da sala, ainda reflito e me emociono com tudo que se passou no dia da visita. Quando cheguei - acompanhada de minha mãe e meu marido - vi aquelas paredes, cobertas de pinturas, que pinturas! E logo meus olhos se fixaram no retrato de um homem jovem e não tão bonito, mas interessante. O retrato do artista quando jovem exibia um bigode estilo Clark Gable e cabelos negros ondulados; o rosto de um moço cujos olhos sinceros exibiam alegria. E de repente me vi ali, parada em frente àquela comparação inevitável entre o velho e o novo, um belo na pintura e o real, de cabelos brancos raleados. Eu era um galã, ele me disse e nao tive resposta, só pensei que sim. Ele nos serviu wiskey e me perguntou quantos anos tinha. Vinte sete amanhã, senhor. Mas que jovem, que alegria, ele falou para minha mãe. Respondi que já tinha alguns cabelos brancos - os quais ele fez questão de conferir por pura diversão - e que o tempo era implacável.

E a visita prosseguiu. Ele me mostrou seus quadros favoritos. Me mostrou fotos de seus pais e falou de sua juventude. Três retratos dele nos olhavam e eu não conseguia deixar de pensar em toda a tristeza que havia naquele lugar. Um homem sozinho há tantos anos. Ele ria do que falávamos e me deu uma revista para que eu lesse uma reportagem. Mostrou seus quadros à venda e explicou um por um. Apontei meu favorito e apontei também o fato de que eu não poderia pagar por ele. Ele sentado na cadeira e eu em pé, cercada pelo passado e o presente e por tantos, mas tantos sentimentos. Meu marido ofereceu as condições de pagamento do quadro. Ele fez que sim. E eu chorei, surpresa, pelo quadro e pelo artista abandonado. E ao me ver chorar, me disse: você é uma boa alma.

Sunday, January 30, 2005

Papo de Aranha

Fala pausada, monotônica, assuntos entediantes, histórias repetitivas, teorias sem pé nem cabeça, polêmicas, futebol, Lula, música ruim, doenças, acidentes, meus-filhos-minha-vida, comida e só comida, escatologias, papo furado, dieta, religião somada a tentativas de conversão, trabalho, casos que nunca terminam, gente que não consegue continuar uma conversa, chuva, calor ou frio, conversa de nerd, internet, negativismo, tiques nervosos, né, sabe, entende. Gente contando vantagem, falando de plástica, falando mal do marido (ou da mulher), gente que tem mania de escrever tudo que fala, que responde grosseiramente, que tem sempre a palavra final, que acha que tem sempre razao. Gente que fala sempre nas entrelinhas. Gente escrachada, que fala demais. Gente que bebe e fica chato. Gente que nunca tem novidades, que não fala nada da própria vida. Lamúrias, stress, assuntos entediantes, papo de adolescente, papo de radical, papo de velho chato. Papo de aranha.

Tuesday, January 25, 2005

O Dia

A manhã teria um ar de marasmo e preguiça e a tarde passaria lenta e morna, como num romance de Jorge Amado. Que a noite viria, sem falta, viria, e se tudo desse certo traria consigo um ar refrescante, quase que rejuvenescedor, para nossos corpos. E estaríamos deitados, na grama verde em frente de casa, olhando para o céu cheio de estrelas. Pensaríamos nos anos que se passaram e nos que estão por vir. Nos lembraríamos da família e dos amigos, agora tão distantes mas ao mesmo tão perto dentro de nós. E faríamos conjecturas de como seria se tivéssemos continuado por lá. E sentiríamos saudades. Talvez cairiam lágrimas, algumas lágrimas pela mãe que estaria sozinha em outro continente. O que ela estaria fazendo agora?, nos perguntaríamos.

E ele ficaria sério, como costuma ficar quanto está pensativo. E eu falaria sem parar, moto contínuo, e me lembraria de bons momentos e concluiria que certamente deveríamos voltar para uma visita. E nos convenceríamos de que havíamos feito a escolha certa, apesar de que é sempre difícil saber. Não sentimos falta dos lugares, mas sim das pessoas, diríamos um ao outro. Estaríamos em paz e essa paz transparecería em nossos rostos. Mas teríamos uma dor, também tão aparente quanto a paz, que seria a dor da falta. A falta que tudo nos faz. E a dor de sentir alegria por estar longe de tudo.


Monday, January 24, 2005

Ninho de Mafagafos

No meu ninho de mafagafos, tem dois mafagafinhos que se enroscam e brincam boa parte do tempo em que estão acordados. Se um acorda, o outro acorda também. Se um resolve comer, o outro sente fome. Caso queiram beber água, coincidentemente nunca estão sozinhos. Meus mafagafinhos dormem juntos, empilhados, fofos e peludos. Como são lindos!

Brownie, o mafagafo mais velho, cuja graça pela vida havia passado há tempo e cujo amor era direcionado apenas para humanos, encontrou em seu novo amigo, não só um companheiro de traquinagens mas também alguém para dividir o tédio do dia a dia. Muffin, o adotivo recém-chegado, se integrou à casa e ao novo irmão de tal forma que tornou-se impossível para todos que aqui habitam, imaginar que um dia conseguimos viver sem ele.

Como são lindos meus meninos deitados no chão da cozinha, curtindo o piso fresco nesse dia tão quente! São essas pequenas coisas, muito pequenas mesmo, que me fazem querer continuar. E se eu pulasse da minha varanda, setimo andar, agora mesmo?

Delícia seria não precisar conviver com o cinismo nunca mais. Maravilhoso não ter que ouvir o que tenho ouvido ultimamente. Nunca, nunca mais. Na morte, sei que não encontraria pessoas tão mentirosas. Mas me privar dessa visão que me alegra e me mostra que algo muito bom, seja lá um deus ou o que for, deve de fato existir. Não há nada mais lindo que o meu ninho de mafagafos.

Sunday, January 09, 2005

Todo domingo

Todo domingo durmo até tarde e só acordo quando um furão começa a arranhar a porta da cozinha. Todo domingo tem gosto de preguiça, de almoço especial, de corrida na praça e suco natureba na lanchonete. E todo domingo parece ser mais quente do que os outros dias e sempre penso quem me dera ter uma piscina!

Acontece que ter esse tempo para pensar sempre me leva a uma certa depressão: os grandes enigmas que me rondam noite e dia dia e noite acabam me cercando e me vejo sem saída. Tenho mesmo que meditar, afinal hoje não tenho muito o que fazer, não tenho desculpa nenhuma para me dar, já que nada, nada mesmo - como eu odeio domingos! - precisar ser feito.

Estabeleço, dentro de mim - isso me soa tão louco! - que domingo é dia de relaxar, devo pensar na vida e nas minhas grandes questões assoladoras de alma outro dia. Uma sexta à noite, de chuva, seria perfeita. Ou um sábado de feriado, em que nada abre e me verei ilhada em casa. Aí sim quero ver os defeitos dessa minha vida. Enquanto esses dias perfeitos não vêm, quero curtir a vida a dois e observar o sono quieto dos furões. A guerra entre os dois está acabando aos poucos. Eles brigam quando o novato quer invadir o lugar especial do mais velho no sofá. Mas há pouco encontrei os dois dormindo juntos, nariz com nariz, tão lindos. Ah, a vida é boa e os domingos mais ainda.