Saturday, July 29, 2006

É melhor ser alegre que ser triste

Eu sinto um vazio quando telefono para a minha mãe e a secretária eletrônica atende. Sinto o vazio quando a minha casa está organizada e fico sem nada para fazer. Sinto o vazio no trem cheio de manhã. E mais vazio ainda no trem de volta para casa, cansada, à tarde. Me sinto sozinha no carro, saindo da estação. Tanta gente, tantos carros em volta e não conheço ninguém. Ando na rua e não vejo rostos conhecidos, conheço meia dúzia de almas (penadas?).

Enquando o sol esturrica minha pele entre o cabelo e a camiseta, a tinta do jornal que eu carrego vai toda para os meus dedos. Escondo as mãos no metrô - o que vão pensar de uma mulher descabelada e com dedos pretos? O banho que tomo então serve como uma desinfecção. Meu médico me mandou tomar banho com sabonete anti-bactericida devido ao meu contato com crianças. Os bancos do transporte público são bem nojentos também - isso é conclusão minha (mas deveria ser senso-comum). Existe senso-comum?

Vazia, mas plena, concluo. Porque não há como ser vazia e feliz (do mesmo jeito que o que está vazio não pode estar cheio... mas deixa pra lá, a vida é cheia de contradições). Então penso, vivo em um dilema interno: sinto um espaço em branco dentro de mim mas outros labirintos, salinhas e salões meus são cheios de amor, carinho, memórias, alegrias. Essa solidão que me acompanha durante o dia vai embora assim que o telefone é atendido por uma voz humana e calorosa a milhares de quilômetros de distância.

Sunday, July 23, 2006

O ninho roubado

O Michael cisma que não, mas o ninho da varanda foi roubado. Ou melhor, está sendo ilegalmente ocupado por um casal de pombos enormes durante algumas partes do dia. A mini-pomba que o construiu, o abandonou logo depois. E de repente vemos esse casal cinza, super entrosado, reconstruindo, arrumando, ampliando o cafofo.

Um dia depois da invasão, volta a primeira pomba. Marronzinha e pequena, sinceramente não sei como ela conseguiu tocar os dois grandões de lá. Só sei que agora ela não arreda mais o pé - como dizem os mineiros - e faz plantão 24 horas de butucas abertas: daqui eu não saio, daqui ninguém me tira.

Saturday, July 15, 2006

Recuperei o bom humor

E agora, mais um fim-de-semana. A cidade quente e húmida ferve com a presença dos turistas, que lotam as estações de metrô e não param de pedir informações. Já fui um deles. E enquanto eu me misturo à essa massa colorida de saias, cabelos curtos e chinelos de dedo, uma chuva torrencial de verão enxarca, esfria, faz cócegas na minha cabeça.

Já ensopada de suor e chuva, chego à estação onde todos sorriem, como que aliviados por estarem livres daquela sensação grudenta que é o mês de julho em DC. Os camelôs surgem como cogumelos na floresta, do nada, com bancas cheias de flores e guarda-chuvas de cinco dólares (que eu não recomendo por experiência pregressa - NY 2005).

Encontro um lugar no trem molhado e cheio de mães com strollers e velhos que adoram puxar assunto. Pego meu livro na bolsa, percebo que este também se aliviou das altas temperaturas: as páginas ficaram grudadas com toda aquela água. Tudo bem, faltavam menos de 10 para terminar a história. Do meu lado senta uma senhora de camisa branca-transparente, aquela visão típica pós chuva. Decidi não ler meu livro tortuoso (literalmente) e observar. Os ânimos estavam leves, as pessoas estavam leves. Era sexta-feira e a chuva lavou minh'alma.

Tuesday, July 11, 2006

Depois de um dia memoravelmente detestável no trabalho; depois de pegar 2 trens de volta para casa, sendo que um deles estragou (o estrago sendo o motivo de eu ter que pegar 2 e não 1 trem); depois de perder o apetite, chorar de nervoso, depender da ajuda de estranhos, ufa, fim de semana. Bem, bem, não tão rápido moçinha. Abro a caixa de e-mails, notícia terrivelmente mortificante, anestesiante (quem me dera), lamentável, triste.

Choro de saudade, de vontade de estar em outro lugar, de tristeza, de auto-comiseração. E choro mais porque auto-piedade é horrível, detestável. E uma espinha, vermelha e grande, a primeira de muito tempo (graças ao bom Deus), surge no meu rosto. Uma marca da dor, da falta de uma boa noite de sono, do stress, interpreto eu, no meu discurso (não-falado) de auto-análise. Então segunda-feira chega e eu ainda naquele ritmo lento, sem foco, emburrado, enlutado. Me dão melancia, sombra e água fresca e mesmo assim me ponho a chorar. Tenho que dar tempo ao tempo.

Quanto ao tempo: "Só podem viver bem aqueles que aprendem a sabedoria que a morte ensina". Você se lembra da Sociedade dos Poetas Mortos? "Carpe Diem (...) beba cada momento até as últimas gotas. É preciso olhar para o Abismo face a face, para se compreender que o Outono já chegou e que a tarde já começou". Rubem Alves.

Sunday, July 09, 2006



Em memória à minha nona, Antônia Mioranza

Quando eu era bem pequenininha minha mãe me levou para a casa da minha avó. E nós duas estávamos na horta (as hortas dela eram sempre maravilhosas, com caramujos, pés de funcho, laranjeiras e até pé de kiwi!) colhendo a salada do almoço quando ela colheu uma cenourinha, também pequena, especialmente para mim. Ela lavou a cenoura no tanque e me deu. Na primeira mordida, uma dor lancinante me fez gritar: um dente havia se quebrado! Minha mãe me levou embora - sem almoço nem nada - de volta para a cidade onde morávamos e a Nona ficou sozinha.

Eu via a Noneta todos os anos, nas nossas viagens anuais ao Rio Grande do Sul. Ela sempre estava lá, tranquila e recolhida, engraçada do jeito dela. Há 5 anos fui visitar, levando desta vez uma novidade: eu havia me casado e estava levando meu marido. Além disso, estava partindo para uma viajem de 2 anos - a Noneta já estava em seus 83. Na hora da despedida, me lembro que pensei: e se essa for a última vez que a verei? Sem eu falar nada, ela me disse "nos vemos em 2 anos".

E assim foi. Da última vez em que fui ao Sul, lá estava ela, saudável e ativa, mas não tão alegrinha como de costume. Fiquei 10 dias hospedada no quarto de hóspedes com minha mãe, ganhando chá adoçado com mel na cama todos os dias de manhã. Nós passeávamos juntas à tarde, jantávamos juntas à noite. Tiramos fotos na horta, junto às laranjas, ela com uma touca branca, parecia uma duende. Rimos tanto... Ela tentou me ensinar a fazer crochet, cestinhas... tantas coisas. Quando fui embora, me lembro de estar aliviada de sair daquele lugar frio, de voltar pra casa. Não me passou pela cabeça que eu nunca mais a veria.

* uma das fotos que tirei na horta: a noneta e minha mãe, Julho/2005.