Wednesday, December 27, 2006


Acordo de manhã e agora ouço o apartamento mudo. Bem longe escuto o motor da geladeira e o ventilador girando. Quando me levanto, me lembro da rotina matutina, dele me esperando no tapete da cozinha, esperando que eu abrisse a geladeira. E aí penso nos olhinhos, no jeito de andar meio que rebolando, tão lindo. Abro as cortinas, vejo a varanda, onde ele se escondia atrás dos vasos, ficava em pé a procura de pimentinhas, bebia água na piscininha. O canto do sofá, que ele sempre adorou. O pano que cobre o som, que ele puxava e fazia de cobertor. A gaveta das linhas e lãs, em que ele adorava se esconder dentro. O banheiro, onde demos o último banho. O vazio que ficou. Meus olhos cheios d´água. A casa vazia, o apartamento mudo.

Brownie
27/12/2001 ~ 22/12/2006

Thursday, November 16, 2006

Porquê sou o que sou

Nesses últimos dois meses fui duas vezes ao sul do país visitar minha cidade natal. Imaginei que seria como nas outras vezes: eu ia ficar na casa de um tio dito maluco, com uma tia que adora me engordar e primos um tanto - hummm - diferentes. Descendo do avião, alguém acena e pula. Não, não é pra mim. Chegando mais perto, percebo que o aceno (e os pulinhos) podem até ser para mim. Aí o Michael não aguenta e grita "ooooi mauroooo!". Era pra mim.

Até aí tudo bem - afinal, o que há de errado numa recepção calorosa? Em 4 dias visitei 9 dos 10 irmãos da minha mãe e 2 dos 5 do meu pai. Foi intenso. Mas foram nos momentos de descanso, em que eu parava para relaxar - 100% das vezes sentada numa mesa cheia de maravilhas italianas - que pude perceber as similaridades entre eu (um ser por muitos considerado exótico pras bandas de Minas) e minha família. Fiquei chocada ao ver que finalmente, pela primeira vez na vida, tive a sensação de pertencimento. Tudo se encaixou assustadoramente, perfeitamente, avassaladoramente bem. Tive vontade de gritar É ISSO QUE SOU!, o que por sinal não teria causado espanto algum.

É de lá que eu sou, daí que eu vim, disso tudo que eu saí. Essa não é uma afimação gaudéria somente (eu sou do sul... a minha terra tem o céu azul... é só olhar e ver), mas também uma afirmação de raízes, ascendência, DNA. Eu que a vida toda vivi longe dos parentes nunca imaginei que acabaria ficando tão parecida com eles.

Um recado aos que me acham louca: vocês não conheceram o resto da família. E louca não: Mioranza. Entendido?

Wednesday, August 30, 2006

JCC

No ultimo dia, o ultimo dos ultimos, cheguei no horario de costume. E, como de costume, alguns ja estavam la, outros nao. Todos os pequenos de camiseta vermelha (como fora combinado), era uma segunda feira comum. Mas nao para mim. A manha correu, passou mais rapido que todas as minhas outras manhas la. E com a minha camera, tentei capturar cada momento - mas estes sao impossiveis de manter ou guardar, sao apenas momentos. Triste, me despeco de tudo e todos. Parto para casa com presentes na bolsa, flores nas maos e um vazio no peito.

Wednesday, August 23, 2006

O banquete, a gula e a dor na consciencia

8:45 - Estava dormindo feliz...

9:11 - Toca o telefone. E o landlord entusiasmado porque quer sair. Aos poucos percebo que ele havia levado um bolo da namorada.

9:30 - Conseguimos concordar com alguma coisa, vamos sair para jantar mais tarde.

9:32 - Toca o telefone de novo. E o meu pai ligando do Brasil. Resolvo levantar da cama. Durante a ligacao, a chamada em espera do celular toca varias vezes. E o landlord de novo.

9:54 - Termino a ligacao com o meu pai e ligo pro landlord. Ele quer almocar dim sum. Aparentemente ele esta se sentindo sozinho. Marcamos para as 11:30 porque segundo ele o lugar lota.

Saimos atrasados de casa, 11:50. O landlord foi dirigindo "porque era mais rapido". Eu aceito o insulto numa boa, ainda mais com o preco do oleo... A 1 da tarde ainda estavamos perdidos. Ele telefona pro restaurante e pergunta quais intercessoes proximas a rua do tal. O atendente mal fala ingles. Alem disso, o restaurante estava tao cheio que o atendente mal conseguia ouvir o telefone. Comeco a ficar com fome.

1:30 - Pegamos um dos 35 mapas que estavam no carro. Que fome.

1:45 - O motorista se localiza e em 5 minutos chegamos no restaurante. Ele manda o Michael descer do carro e correr - rapido - para dentro para pegar uma senha. Ele corre, meio incredulo, mas quando ve mais 6 pessoas correndo para dentro tambem, acelera e consegue chegar antes delas. Ele consegue a ultima mesa!

Ufa. Estacionado o carro, abro a porta do lugar e vejo muitas, muitas mesas cheias de orientais. Uns americanos salpicadinhos aqui e acola fazem o ambiente ficar ainda mais internacional. Garcons e garconetes, de gravata borboleta preta seguem empurrando carrinhos carregados de comida. Eles saem por duas portas diferentes, cada carrinho tendo como alvo um lado diferente do salao, de forma que eu - desesperada - nao venha a encontrar meus dim sums frios! No momento que sento na cadeira, cha de crisantemo e servido. Coloco uma pedrinha de acucar e pego nosso primeiro prato: camaroes envolvidos em papel de arroz cozidos no vapor. A garconete anota algo incompreensivel na minha ficha e sai. Logo atras vem outra com mais, mais e mais comida. Nos empilhavamos os pratinhos na mesa, numa mistura de loucura, ganancia e orgulho.

Meia hora depois o xuxu (o dito landlord) ainda pega mais comida dos carrinhos que nao param de passar. Brocoli chines, arroz grudento (sticky rice) recheado com pato. Fico triste porque ja estou sem fome. Passam outros carrinhos e comecamos a recusar comida. No auge da melancolia vejo o que me esta sendo oferecido: uma pasta branca de tofu (e quem disse que tofu nao tem gosto?) com calda de lichia. Desconfiei muito dessa sobremesa pois as que eu tinha comido na casa do proprio xuxu tinham sido horriveis. Mas essa era perfeita, de consistencia perfeita e gosto suave. A outra (sim, comemos duas), era de arroz com uma pasta indefinida dentro. Foi o creme do creme.

Saimos do Oriental East felizes. Felizes com DC, felizes com o Xuxu, felizes com a vida.

Wednesday, August 09, 2006

Home + Sick

Não, não, não. Não vou falar que estou com saudades e aquela coisa toda. Mesmo porque estou mesmo e isso não vai mudar até eu voltar pra casa. A verdade é que estou em casa, à toa, vendo filme e curtindo o calorzinho gostoso (acabou aquela loucura de 40 graus) enquando os vírus infantis me consomem por dentro. É até uma sensação interessante, aquele "biziu" que dá no cérebro, uma sensação de entupimento dos ouvidos, falta de fome, gosto estranho na boca, sede sem fim.

Abri as janelas, desliguei o ar-condicionado - ligado desde o início de julho - xô germes, xô virus, xô coisa ruim! E me pergunto o que ficou encubado nesse ar por mais de um mês, pairando, flutuando feliz até pousar... nem quero pensar onde. (A verdade é que todos meus aluninhos estão tossindo, espirrando... aquela coisa.) Que entrem a brisa da tarde (que há uma semana mais parecia uma lufada de secador de cabelos), o sol quente, os besouros e mostiquinhos, não me importo. Ah, a pombinha continua chocando. Ela está convidada também. Acho que vou por a rede na varanda e fazer meu sudoku. Ah, que dia lindo para se ficar em casa doente!

Thursday, August 03, 2006

O Retorno e Terno*

Meu retorno é terno, é feliz, é esperado. Minha volta, traz à minha volta todos que amo. Meu mundo, minha vida. Minha paisagem, meu cheiro, meu canto (casa), meu canto (voz). Meu, meu, meu, tudo que é meu e que por um tempo deixou de ser. O tempo escorreu como água entre meus dedos e nunca mais há de retornar, passou, lufada de vento forte, não mais hei de viver o que perdi. Tempo, passe rápido! Que eu não te veja aqui, que eu não mais pense sobre os dias, que eu nem olhe as horas. Que o último mês passe como a noite de uma criança cansada: num piscar de olhos.

Meu retorno - seja ele temporário ou permanente - me faz antecipar a saudade que sentirei de pequenas coisas que aprendi a amar. A pomba na varanda, que durante horas espera seu amado voltar para cuidar do ninho enquanto ela busca comida. O menininho, vestido de girafa, com botas de joaninhas, beijando minha foto no meu crachá-colar (como não se apaixonar?). Os passeios ao entardecer, vendo os cervos e as raposas comendo as frutas nos arbustos, a apenas poucos metros de distância. Amo, amo, amo. Mas ainda assim, amo poder voltar.

* (tirei o título de um livro do Rubem Alves)

Saturday, July 29, 2006

É melhor ser alegre que ser triste

Eu sinto um vazio quando telefono para a minha mãe e a secretária eletrônica atende. Sinto o vazio quando a minha casa está organizada e fico sem nada para fazer. Sinto o vazio no trem cheio de manhã. E mais vazio ainda no trem de volta para casa, cansada, à tarde. Me sinto sozinha no carro, saindo da estação. Tanta gente, tantos carros em volta e não conheço ninguém. Ando na rua e não vejo rostos conhecidos, conheço meia dúzia de almas (penadas?).

Enquando o sol esturrica minha pele entre o cabelo e a camiseta, a tinta do jornal que eu carrego vai toda para os meus dedos. Escondo as mãos no metrô - o que vão pensar de uma mulher descabelada e com dedos pretos? O banho que tomo então serve como uma desinfecção. Meu médico me mandou tomar banho com sabonete anti-bactericida devido ao meu contato com crianças. Os bancos do transporte público são bem nojentos também - isso é conclusão minha (mas deveria ser senso-comum). Existe senso-comum?

Vazia, mas plena, concluo. Porque não há como ser vazia e feliz (do mesmo jeito que o que está vazio não pode estar cheio... mas deixa pra lá, a vida é cheia de contradições). Então penso, vivo em um dilema interno: sinto um espaço em branco dentro de mim mas outros labirintos, salinhas e salões meus são cheios de amor, carinho, memórias, alegrias. Essa solidão que me acompanha durante o dia vai embora assim que o telefone é atendido por uma voz humana e calorosa a milhares de quilômetros de distância.

Sunday, July 23, 2006

O ninho roubado

O Michael cisma que não, mas o ninho da varanda foi roubado. Ou melhor, está sendo ilegalmente ocupado por um casal de pombos enormes durante algumas partes do dia. A mini-pomba que o construiu, o abandonou logo depois. E de repente vemos esse casal cinza, super entrosado, reconstruindo, arrumando, ampliando o cafofo.

Um dia depois da invasão, volta a primeira pomba. Marronzinha e pequena, sinceramente não sei como ela conseguiu tocar os dois grandões de lá. Só sei que agora ela não arreda mais o pé - como dizem os mineiros - e faz plantão 24 horas de butucas abertas: daqui eu não saio, daqui ninguém me tira.

Saturday, July 15, 2006

Recuperei o bom humor

E agora, mais um fim-de-semana. A cidade quente e húmida ferve com a presença dos turistas, que lotam as estações de metrô e não param de pedir informações. Já fui um deles. E enquanto eu me misturo à essa massa colorida de saias, cabelos curtos e chinelos de dedo, uma chuva torrencial de verão enxarca, esfria, faz cócegas na minha cabeça.

Já ensopada de suor e chuva, chego à estação onde todos sorriem, como que aliviados por estarem livres daquela sensação grudenta que é o mês de julho em DC. Os camelôs surgem como cogumelos na floresta, do nada, com bancas cheias de flores e guarda-chuvas de cinco dólares (que eu não recomendo por experiência pregressa - NY 2005).

Encontro um lugar no trem molhado e cheio de mães com strollers e velhos que adoram puxar assunto. Pego meu livro na bolsa, percebo que este também se aliviou das altas temperaturas: as páginas ficaram grudadas com toda aquela água. Tudo bem, faltavam menos de 10 para terminar a história. Do meu lado senta uma senhora de camisa branca-transparente, aquela visão típica pós chuva. Decidi não ler meu livro tortuoso (literalmente) e observar. Os ânimos estavam leves, as pessoas estavam leves. Era sexta-feira e a chuva lavou minh'alma.

Tuesday, July 11, 2006

Depois de um dia memoravelmente detestável no trabalho; depois de pegar 2 trens de volta para casa, sendo que um deles estragou (o estrago sendo o motivo de eu ter que pegar 2 e não 1 trem); depois de perder o apetite, chorar de nervoso, depender da ajuda de estranhos, ufa, fim de semana. Bem, bem, não tão rápido moçinha. Abro a caixa de e-mails, notícia terrivelmente mortificante, anestesiante (quem me dera), lamentável, triste.

Choro de saudade, de vontade de estar em outro lugar, de tristeza, de auto-comiseração. E choro mais porque auto-piedade é horrível, detestável. E uma espinha, vermelha e grande, a primeira de muito tempo (graças ao bom Deus), surge no meu rosto. Uma marca da dor, da falta de uma boa noite de sono, do stress, interpreto eu, no meu discurso (não-falado) de auto-análise. Então segunda-feira chega e eu ainda naquele ritmo lento, sem foco, emburrado, enlutado. Me dão melancia, sombra e água fresca e mesmo assim me ponho a chorar. Tenho que dar tempo ao tempo.

Quanto ao tempo: "Só podem viver bem aqueles que aprendem a sabedoria que a morte ensina". Você se lembra da Sociedade dos Poetas Mortos? "Carpe Diem (...) beba cada momento até as últimas gotas. É preciso olhar para o Abismo face a face, para se compreender que o Outono já chegou e que a tarde já começou". Rubem Alves.

Sunday, July 09, 2006



Em memória à minha nona, Antônia Mioranza

Quando eu era bem pequenininha minha mãe me levou para a casa da minha avó. E nós duas estávamos na horta (as hortas dela eram sempre maravilhosas, com caramujos, pés de funcho, laranjeiras e até pé de kiwi!) colhendo a salada do almoço quando ela colheu uma cenourinha, também pequena, especialmente para mim. Ela lavou a cenoura no tanque e me deu. Na primeira mordida, uma dor lancinante me fez gritar: um dente havia se quebrado! Minha mãe me levou embora - sem almoço nem nada - de volta para a cidade onde morávamos e a Nona ficou sozinha.

Eu via a Noneta todos os anos, nas nossas viagens anuais ao Rio Grande do Sul. Ela sempre estava lá, tranquila e recolhida, engraçada do jeito dela. Há 5 anos fui visitar, levando desta vez uma novidade: eu havia me casado e estava levando meu marido. Além disso, estava partindo para uma viajem de 2 anos - a Noneta já estava em seus 83. Na hora da despedida, me lembro que pensei: e se essa for a última vez que a verei? Sem eu falar nada, ela me disse "nos vemos em 2 anos".

E assim foi. Da última vez em que fui ao Sul, lá estava ela, saudável e ativa, mas não tão alegrinha como de costume. Fiquei 10 dias hospedada no quarto de hóspedes com minha mãe, ganhando chá adoçado com mel na cama todos os dias de manhã. Nós passeávamos juntas à tarde, jantávamos juntas à noite. Tiramos fotos na horta, junto às laranjas, ela com uma touca branca, parecia uma duende. Rimos tanto... Ela tentou me ensinar a fazer crochet, cestinhas... tantas coisas. Quando fui embora, me lembro de estar aliviada de sair daquele lugar frio, de voltar pra casa. Não me passou pela cabeça que eu nunca mais a veria.

* uma das fotos que tirei na horta: a noneta e minha mãe, Julho/2005.

Monday, June 19, 2006

Não tenho dinheiro

Não tenho dinheiro e meu aluguel está atrasado. Pus o ad-sense no blog, vendi livro usado pela Amazon, arrumei um emprego antes mesmo da autorização de trabalho chegar (e o pay check chega só daqui a 20 dias), fiz traduções, revisões de texto, transcrições, análises linguísticas, ufa! Mesmo assim, estou sem dinheiro nenhum.

O governo americano enviou meu visto de trabalho mais de 4 meses depois de eu ter feito o pedido e com o prazo de expiração para daí a dois meses. Fantástico, veja somente o lado bom: pelo menos consegui um trabalho. Aí precisei tirar Social Security Number para poder trabalhar (e pagar taxas), que só vai chegar daqui a 6 semanas - menos de 1 mês antes de eu ir embora de volta para o Brasil! E, que ótimo, para ser admitida no emprego ainda tenho que ir no fim do mundo fazer exame físico (pago por mim!), pegar metrô, ônibus, metrô, ônibus, metrô, ônibus... aaaaaaaaahhhhhh! Vida de proletária. Que bosta.

Friday, June 16, 2006

A Escola

Da lista de oito escolas interessadas nos meus prestimos gratuitos, telefonei somente para duas. A minha primeira ligacao esta descrita aqui:

"alo"
"ALO"

"oi, meu nome e ciclana e eu sou a brasileira que a fulana de tal disse que gostaria de trabalhar de voluntaria."
"HUHUM"

"... bem, eu gostaria de saber um pouco mais da escola, onde fica, como e o metodo, o que exatamente voces gostariam de mim..."
"HUHUM"

"... ... bem, sera que voce poderia me falar isso?"
"HUHUM"

"... ? ... ?"
"... ... ..."

"BEM, NOSSA ESCOLA E PEQUENA E ADOTA O METODO TAL. SE VOCE QUISER VIR NOS AJUDAR (PORQUE NOS REALMENTE PRECISAMOS MUITO DE AJUDA) PODE VIR. MAS SE VOCE PREFERIR IR AJUDAR UMA ESCOLA MAIOR QUE TEM MAIS INFRAESTRUTURA, TIPO A ESCOLA TAL, FICA POR SUA CONTA DECIDIR O QUE VOCE ACHA MAIS IMPORTANTE: UMA ESCOLA PEQUENA DE PESSOAS OTIMAS OU UMA ESCOLA GRANDE QUE NAO DA VALOR PRO INDIVIDUO. E ENTAO, VOCE VAI VIR OU NAO?"
"(ainda chocada com o tom de voz e descrente do discurso) Bem, eu gostaria de pensar no assunto, eu tenho uma lista de varias escolas pra escolher... sabe? Eu quero fazer a melhor decisao"

"OUCA, MADAME, NOS REALMENTE PRECISAMOS. O QUE VOCE VAI FAZER PRECISAMENTE? NAO SEI! VOCE PODE TER CERTEZA DE UMA COISA POREM: EM HIPOTESE ALGUMA VOCE ESTARA BABYSITTING AS CRIANCAS OU SOZINHA NA SALA COM ELAS! ISSO SERIA INADMISSIVELLLLLLLL"

Nao sei se por susto, acabei concordando. Que arrependimento. Ja no meu primeiro dia, o cheiro da escola me deu nauseas: a escola nao se dispunha a trocar a fralda das criancas, entao o aroma, para alguem vindo de fora do metie, era simplesmente insuportavel! Na hora do lanche, cenourinhas baby com... cabelo! E ninguem, nenhuma das outras 3 professoras perceberam o longo fio entrelacado no meio das cenouras. Que nojo. Foi um susto tambem olhar para alguns dos pirralhos. Tres deles eram tao mal cuidados (estranho para uma escola tao cara), que parecia ate que eles nunca haviam tomado banho com xampu durante a breve existencia deles. (Mais tarde fui descobrir que algumas pessoas, por motivos religiosos, nao cortam - ou penteiam, no caso - o cabelo dos filhos antes que estes completem 3 aninhos).

Deu meio-dia, mais um choque: as duas professoras do metodo vao embora e me deixam la com uma assistente meia boca legalmente proibida em ficar sozinha com tantas criancas. Como se nao bastasse, a assistente me pergunta se pode ir embora porque nao esta se sentindo tao bem (era sexta feira...), querendo que eu ficasse com as criancas o resto do dia! Hummm... Alguem havia me dito que eu nao ficaria trabalhando de baba... alem disso, um voluntario ficar por conta tambem e fora da lei!! E o que e pior: essas pessoas nunca tinham me visto na vida.

No outro dia (fui pressionada a ir 5 vezes por semana, e resisti a pressao, concordando em ir 2 dias e deixar 2 em aberto. Nunca fui mais que 2 vezes mesmo), me pediram que eu organizasse a sala de aula asap, porque estava um chiqueirinho e eles teriam visita. Na hora em que as visitas chegaram... mesmo estando fora do schedulle (schedulle?? o que e rotina para criancas?), a gurizada e a voluntaria foram mandadas para o parquinho. Enquanto os pais visitantes estavam na escola, eramos expressamente proibidos de voltar. E isso se repetiu varias vezes. Interessante voce querer mostrar uma escola sem criancas dentro... Mas essa logica daquelas malucas fazia muito sentido: nunca vi meninos tao indiciplinados - a nao ser em uma escola em que ensinei em Belo Horizonte - e selvagens em toda a minha vida. A cabeca daquelas criancas funcionava assim: "veja pequeno cerebro! tenho lama nos meus sapatos! vou passar a lama nas mesas e cadeiras da sala de aula! sim! ah! isso e bom! muito bom! hahaha! que legal!". Logo depois, outro pequeno anjo via o coleguinha e pensava: "oh, pequeno cerebro, que lindo o que a beltraninha esta fazendo, deve dar um prazer imenso! sim, vamos fazer tambem". E ninguem falava absolutamente nada.

Os dias se passaram e fiz a feliz descoberta: a escola entraria de ferias dia 15 de junho! Irradiando alegria, contei os dias para que a tortura terminasse. No ultimo dia, vendo que eu havia obtido minha carta de alforria daquela escravidao voluntaria (por pura do de jogar o avental - simbolicamente - e abandonar meu importante posto no meio do semestre), as professoras nao deixaram barato: achando que eu nao estava sendo aproveitada o suficiente, me pediram que eu arrumasse o armario da escola: um quartinho 1x1 com prateleiras lotadas e o chao tambem lotado ate a minha cintura de forma que era impossivel entrar no tal quartinho. Foi a gota d'agua. Era jogo do Brasil e eu nao perderia o jogo para ficar naquele lugar. Entao elas resolveram que seria interessante se eu encaixotasse tudo que eu ja havia organizado dentro do armario e transportasse aquelas caixas para o primeiro andar da escola. Me desculpei e sai de supetao, correndo, com a desculpa de que eu entendia que aquela era uma escola religiosa, mas que eles tambem tinham que entender que no Brasil, a religiao e futebol e que eu estaria cometendo um pecado se perdesse a transmissao ao vivo do jogo do meu pais. La fui eu.

E hoje era o picnic de encerramento das aulas. Fico imaginando aquelas professoras desajeitadas e os pais e maes daqueles pestinhas com os 7 ou 8 irmaozinhos de cada um dos pestinhas (somando todos os alunos com seus respectivos irmaos, mais o desconto de que nem todo mundo tem tanto irmao assim - afinal nem todo mundo e religioso pra xuxu - da um total de umas 110 criancas!) se perguntando: cade aquela shikser-nao-paga que disse que vinha! Ah, nao se pode confiar nos goyim! Otimo... agora eu vou ter que ficar olhando meus 9 filhos suuuuper bem educados!

Nem liguei pra avisar. Foi meu primeiro dia como professora paga "naquelas escolas grandes, com infraestrutura", super divertidas.

Wednesday, June 07, 2006

A transitoriedade da vida e como os americanos se sensibilizam com lágrimas (mas não muito)

Costumo brincar com meu marido dizendo que ele tem ancestrais ciganos. Isso não é verdade, mas sinto que ele não para quieto em um lugar, o que me deixa feliz porque já me acostumei com isso e gosto da perspectiva de nunca passar a vida toda em um só lugar, igual uma árvore, grudada no chão. Meu chão, no interior do Rio Grande gaúcho, é um lugar lindo. Mas já não pertenço. Quero mais.

Acontece que essa indas e vindas dão um ar muito transitório à vida. Para qualquer lugar que eu olhe sei que aquela paisagem representa apenas um curto período de tempo. E se faço tal trajeto todos os dias, as chances são de que eu nunca vá me enfadar deste. É sempre novidade, meus trajetos mudam com as estações e eu estou sempre na expectativa da mudança. Adoro a expectativa.

Então houve a expectativa de conseguir finalmente a carteira de motorista. Faltou um documento (o qual enviei para outro departamento do governo) e a oficiala não se sensibilizou com a história. Meu marido sorrindo, com a nova carteira nas mãos, mas eu não, eu precisaria de outro papel. Dispensada, não deixei barato: chorei alto, igual criança, tremendo. Comoção no MVA! Americanos não estão acostumados com a exibição pública de emoção. Me mandaram para a supervisora, onde eu mal conseguia falar. Outra comoção. Policial, supervisor, supervisor do supervisor do supervisor, a tropa toda. Tenha esperança! Um glimpse de esperança, todos disseram. As lágrimas de crocodilo se secaram, o teatro não durou muito (mas eu mereci um Oscar) e a resposta final foi Não.

De novo, isso também é transitório. Desisti da carteira, sou uma fora da lei.

Tuesday, June 06, 2006

Das diferenças culturais
(Atenção: socióloga extrapola no politicamente incorreto)

Tenho medo, muito medo dos americanos. Tenho medo de pisar no perfeito sidewalk deles e, sem querer, chutar uma pedrinha para o impecável canteiro de flores. Medo de olhar fixamente sem querer para eles ou para o carro deles. Tenho medo de pisar na grama do vizinho, de dizer bom dia, boa tarde, boa noite. Aliás, detesto meus vizinhos americanos brancos. Detesto os chineses também.

Os brancos americanos são agressivos. Duvida? Chega perto do carro deles, seja para atravessar a rua ou esperar alguém. Primeiro, eles assoviam: "fiuu! fiuu!", igual um guardador de carros brasileiro. Se isso não funciona vem o amigável: "get away!". Ok, supondo que você não percebeu que é com você: "get away from my f* car or I'll call the police!". Uns doces os brancos americanos.

Outra situação: você, sem querer, está no caminho de um branco americano. Big mistake! Ele vai gritar com você até você, estupefado, sair do caminho dele (o que aconteceu com o bom e velho "excuse-ME!!"?).

Agora os chineses. E por chinês, perdão, mas estou supondo que eles sejam realmente da china. Você está no metrô. O chinês entra e nem olha pra frente mas vai pisando nos pés de todo o mundo. Apesar de ser proibido comer no metrô, lá vai ele almoçar, sentadinho na cadeira, um sonoro yakisoba! Delicia!

Já que é pra ser politicamente incorreta, vou lenhar os vietnamitas também. Se tem um bicho fazendo ninho no quintal da casa do meu senhorio e este se tornar ciente de tal fato, oh, oh! O bicho será homeless assim que o senhorio perceber a presença do animal. Munido de uma vassoura, la vai o xuxu tocar os pombos, coruja ou passarinhos. "The last thing we need are rats!". Mas coruja come ratos, eu boba, argumentei!

Mas voltemos aos brancos americanos. Eu digo brancos porque tanto o chines quanto o vietnamita já são americanos. Vá ao starbucks por exemplo. Adoro o café, mas que povinho mais pretencioso! Agora eu sou obrigada a saber que o tall significa "small", o grande "medium" e por ai vai! Estude o vocabulário do Starbucks antes de fazer seu pedido porque os garçons têm pavio curto. Vai se complicar pra você ver, a pessoa que está atrás de você na fila pode ficar nervosinha...

Isso remete ao "the soup nazi", do Seinfeld. Aquele tipo de gente só existe aqui na América! Imagina se a pastelaria do Manoel, no centrão de Belo Horizonte, fosse tão picky assim. (Você não pronuncia muzzarela do jeito certo? No pastel for you!) O Manoel iria à falência, sem sombra de dúvida. Mas aqui, na terra das oportunidades, eles são linientes com esse tipo de comportamento. A agressividade é inclusive, muitas vezes, vista com bons olhos. Significa que você tem "drive".

Mas o que mais me irrita aqui na américa é a crescente xenofobia. Depois do 9/11 as coisas começaram a ficar complicadas para o lado dos estrangeiros. Um passo em falso e você é chamado de terrorista, ladrão, third world scum. Vejam a dificuldade que ficou conseguir uma carteira de motorista em Maryland depois do atentado(a saga está descrita no multiply do michael). Somos tratados como escória, até que se prove o contrário. Com o immigration act (em que o presidente fez discurso na tv e tudo mais), vimos os protestos dos americanos em frente à Casa Branca. É triste ler os cartazes. No dia seguinte houve o "dia sem mexicanos" em que a comunidade de imigrantes encorajou que ninguém fosse ao trabalho. A américa parou, não tinha pão nos restaurantes, a grama alta continuou assim, muitos lugares fecharam as portas por 24 horas por falta de staff. E aí você vê os pequenos empresários no noticiário elogiando seus funcionários. São as pequenas grandes contradições.

Monday, June 05, 2006

Banzo

- substantivo masculino 1. processo psicológico causado pela desculturação, que levava os negros africanos escravizados, transportados para terras distantes, a um estado inicial de forte excitação, seguido de ímpetos de destruição e depois de uma nostalgia profunda, que induzia à apatia, à inanição e, por vezes, à loucura ou à morte.

Morte eu acho que não é o caso porém. Mas tenho saudade do Brasil em clima de Copa do Mundo. Tenho saudade de olhar a rua pela janela, no meio de um jogo, e não ver absolutamente nenhuma alma viva (não que eu sinta falta de ver uma rua vazia. Eu vejo isso aqui todos os dias!). Tenho vontade de ir ao café na sexta à noite. Saudade de ir trabalhar no High. Tenho saudade da minha cama, meu sofá, minha cozinha. E mais ainda, dos meus meninos.

Ah, que tristeza que me dá em olhar a floresta e não a favela! Será que já estou no estágio da loucura? Não, não, não se preocupe comigo. Banzo passa. Dou graças a D'us todos os dias por acordar com o canto dos passarinhos e não com o ronco do motor dos ônibus subindo minha rua. Aproveito cada segundo em que tenho o vidro do meu carro aberto num sinal fechado. Aliás, insisto em deixar meu i-pod bem à vista quando estaciono o carro, só pra encontrar ele lá quando eu volto. Que prazer incomensurável! Mesmo assim, ainda me pego sonhando que estou em BH (usualmente na companhia de alguém muito querido). São sonhos felizes.

Outro dia acordei com o Michael gritando. Era um pesadelo em que ele estava na BR, sendo assaltado por dois homens.

Cada um lida com o banzo do seu jeito.

Wednesday, May 10, 2006

Calma tarde de ceu azul. As abelhas, numa correria frenetica, voam de um lado para o outro, como se amanha nao fosse haver mais polem nenhum. Minha cabeca lateja, minhas costas doem e ainda assim sei que tenho um longo dia pela frente. E da janela as pessoas passam despreocupadas: uns desistem logo de ir a aula, no meio do caminho gramado e ficam por la. Deitam na grama e zzzzzzzzzzzzzzz.

Assim que cheguei, meus dias consistiam em intervalos de sono. O sono da noite, o do fim da manha e o da tarde - que geralmente durava a tarde toda, ate o Michael chegar em casa e me acordar. Eu mesma achava estranho ter sempre sono de sobra. Talvez tenha sido uma fase de reposicao de energia, energia Kcal e nao coisa de zen, reposicao de todo sono perdido por ansiedade.

Os sonhos, no entanto, continuam. Sonho com o dia em que verei os meninos novamente. Sonho em passar muitas tardes com minha mae. Sonho em ir na Aurea, minha cabeleireira. Sonho em ter filhos, netos, bisnetos. E sonho com as pessoas que estarao ao meu lado, ate o dia em que eu nao despertar mais.

Tuesday, May 09, 2006



Os gansinhos chegaram!


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Wednesday, May 03, 2006



A Gansa na Shady Grove


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Para a minha mãe

Eu queria te mostrar a cor dos pássaros que vejo. Rosa, vermelho, azul. Eu queria que voce acordasse com o canto deles também. Eu queria que você tivesse visto a gansa chocando os ovos no meio do estacionamento da estação de metro. Os carros estacionados e ela lá no meio, num canteiro de grama, com um ninho improvisado, pedaços de pão e uma maçã (provavelmente doada por alguém) ao lado. Ela feliz, não se mexia, só chocava.

Eu queria, minha querida, que você visse a ruas arborizadas, as casas coladas umas nas outras em Dupont. Eu queria que você passeasse pelas ruas de Georgetown com um sorvete nas mãos. Eu queria outra primavera ao seu lado, como aquela última: perfeita. Você veria os cervos na floresta, a coruja na varanda, os esquilos, minha casa, meu quarto. Você e eu riríamos e deitaríamos na grama atrás de casa. Nós conversaríamos e conversaríamos porque nunca ficaríamos sem assunto.

Eu gostaria de te ter por perto nesses momentos, que fazem parte dos melhores da minha vida. Eu queria te ter na minha memória não como mãe longe, não como distância dolorida, telefonema que mesmo quando é longo nao é o suficiente para matar, aniquilar, estraçalhar toda saudade que tenho.

Thursday, April 27, 2006

News from Brazil

I was talking to my mother on the telephone this afternoon and, to say the truth, I was appalled by the news she gave me (what's interesting is that my mom always has news. She always, doesn't matter how often I call her, always has something to tell me. It's either the ferrets or the weather or even people who passed away - she collects interesting daily things to tell me whenever I give her a call).

But today, I really wasn't expecting that. The news were simply sad. No one died, God forbid, but it was just as depressing. First, I think I hadn't given a thought about the matter of our conversation for maybe a month or so. The problems that were bugging my mind at the time I left my home country were far behind me. I had honestly thought I had gotten rid of them. However, as I said "hello" on the phone, I eventually heard a profound sadness and an unusual lack of joy in her voice. I instantly knew something was tormenting her.

Maybe tormenting is not the correct word... I know she's strong and she actually said she was over it the minute the event in question ended. But as she described everything and the way I pictured things happening, I felt my heart full of anger and grief. I wanted to wrap my arms around her and cry. Cry for not being there. Cry for how distant I am. Cry - just for the sake of it.

As to what happened, there's barely anything I can do. Even if I was home, my hands are completely tied and my mouth finally shut. There are things and people that you just have to let go. And this is a decision I've made, I'll let it go.

Monday, April 24, 2006

Da janela vejo uma arvore cheia de folhas verdes (quase comum nessa epoca do ano). E, no meio da grama, os caminhos de concreto levam e trazem estudantes, mocos e mocas de saia (eles escoceses) e ate criancas de maos dadas num trenzinho desengoncado.

Da igreja vem os blem-blem-blem dos sinos e no predio em frente ao meu, as colunas greco-romanas brancas dao contraste ao predio de tijolos vermelhos. No ceu, nuvens acinzentadas ameacam chuva. Sente-se o vento frio cortando a pele - sim, eu sei, e primavera.

E primavera aqui e e primavera na vida. Sempre me pergunto se a essa altura do campeonato eu ja deveria ter feito mais de mim do que sou. Sera que ja deveria ter feito algo mais que um curso de sociologia e um diploma de CAE? Sim, se tivesse me orientado desde cedo para as recompensas financeiras. Creio que deveria ter tomado uma atitude mais, digamos, capitalista. Porem, eu que sempre curti a vida tranquila, minha casa, meus bichos, meu chao, preferi dividir o meu tempo em aulas e casa. "Olhai os lirios do campo!". Sempre penso nisso.

Na verdade, eu sempre olho os lirios (nao necessariamente eles, mas vejo as arvores) e penso que nada ha de faltar. Mas me confundo quando olho os passaros ou os esquilos: como trabalham! Sempre correndo (ou voando) para la e e pra ca atras de... comida, subsistencia. Sera que eu deveria correr mais? Sera que a dadiva divina so vem para os que estao plantados na terra? Se for assim...

Mas resisto em pensar que o futuro nao sera diferente. Tenho esse pensamento otimista de que tudo vai se arranjar com o tempo. A vida prova que as coisas se organizam da mesma forma que as dores passam: o tempo cura. Ou sera que nos acostumamos com tudo? Seja la como for, vai ser bom. Se o agora e otimo, por que nao ha de continuar assim?

Friday, April 21, 2006

Muitas vezes na vida nos deparamos com pessoas invejosas. E interessante, porque ninguem, mas ninguem mesmo, admite ter tal sentimento. Ninguem chega para o analista e diz: "olha, eu tenho esse problema de inveja... eu morro de inveja de fulano e beltrano, alias eu tenho inveja de todo mundo que tem o que eu nao tenho".

Como mulher, eu sinceramente acho que isso atinge mais o nosso sexo. Afinal, quem e que ja viu um homem que, ao ver o sapato novo do amigo (pra comecar eles nao reparam!) morre de inveja e corre pra um shopping para achar um sapato identico ou parecido ou ainda (a facada final feminina), mais caro? Eu nunca vi meu marido se queixando que este ou aquele amigo dele sao mais magros que ele. Muito menos reclamando que fulano ganha mais e por isso anda mais bem vestido. Isso simplesmente nao faz parte do universo masculino.

Mas no feminino... bem, as coisas sao um tanto diferentes. As comparacoes (vulgo inveja) acontecem em todos os niveis: mae com filha, amiga com amiga e inclusive entre mulheres que nem sequer se conhecem. Mae com filha: "quando eu era jovem, eu nao tinha tanta celulite quanto voce!". Leia-se: "ai que inveja da sua juventude!". Amiga com amiga: "voce acha que emagreceu? imagina! ta a mesmissima coisa!!". Leia-se: "voce esta mais magra que eu - ai que inveja - mas eu vou negar ate a morte!!". Desconhecida com desconhecida (em pensamento): "aquele vestido da patachou ficou o O nela!!", leia-se: "eu teeeeenho que comprar aquele vestido, nem que eu divida em 18 parcelas no cartao!!".

Pois e, fui vitima da inveja de uma conhecida nos ultimos dias. Na verdade, claro, somos sempre vitimas de inveja - afinal, tem sempre alguem pior do que nos mesmos. Alguem olha para uma pessoa obesa e sente inveja? Ou ve um miseravel na tv e gostaria de estar no lugar dele? Por acaso sentimos vontade de ter aquela furreca velha parada na beira da estrada no meio de um toro? Nao, nao e nao. Mas e claro que se vemos alguem magro, lindo, rico e dirijindo um jaguar, rola aquela pontinha de... voce sabe o que.

Segundo a minha mae, devemos fazer de tudo para que os outros nao sintam inveja. Ok, eu juro que tento, mas tem gente que insiste. Diz ela que o melhor jeito e dar gracas a Deus. Explico: quando uma fulana diz "Voce e mais nova que eu e ja e casada (com um meeeedico!!)". A isso, responde-se: "Mas e um milagre! So um milagre explica isso!". "Voce tem a nova gaucho bag!!! E carissima!". De novo: "so Deus explica isso! e como um milagre!". E por ai vai.

Ok entao. A quem morre de inveja do meu rico dinheirinho empregado em um simples corte de cabelo (eu valorizo muito minhas madeixas, que fique registrado), respondo: e um milagre eu ter tido dinheiro para pagar. So Deus mesmo! Aleluia.

Sunday, April 16, 2006

A bi-cicleta

Ontem conhecemos um casal francês, Jean e Danielle.

Ja na faixa dos 60, Jean tem um incrível senso de humor que aniquila qualquer tentativa de conversa intelectual com uma piada irônica (eu achei sensacional!). Ela - como todas francesas - magra, de sotaque maravilhoso, cabelos lisos e sorridente. Os dois, apesar de terem três filhos, se intitulam "recém-casados" e como tambem não conseguiram tirar a carteira de motorista de Maryland, resolveram que uma bicicleta seria um meio de transporte interessante.

Mas com tanto amor e paixao no ar, a bicicleta tinha que ser especial: dois guidons, dois selins e duas rodas. Ele na frente, cabelos brancos ao vento, faróis (a pilha) acesos, pedala com força enquanto ela vai atrás sem nem sequer por as mãos no volante. Eu perguntei se ela nao tinha medo de cair. "Eu tenho total confiança nele", ela me disse.

Insistiram pra que nós fizéssemos uma tentativa. Ok, eu de saia e salto, não era muito bem o que eu imaginava para andar de bicicleta, mas vamos lá. O Michael tinha um pé no pedal e outro no chão e eu coloquei meus dois pés nos encaixes. Ai que medo de cair... eu ja estava me imaginando jogada no chao igual uma boneca abandonada, com a saia levantada e o salto quebrado...

Confiança! Confiança! Os franceses diziam. Lá fomos nós... no vento, na brisa noturna, 1.20 da manhã em Washington, pedalando, pedalando, que bom, eu sorria feliz, confiante no meu piloto, quando: ups! o Michael perde o equilíbrio. Paramos abruptamente. Eu quis continuar mas ele ficou com medo e descemos da bicicleta.

Olhei em volta e nao acreditei: as pessoas na rua tinham parado para ver e diziam "coooooool" e "that's fun!". (De madrugada? Nao muito comum na america.) Enfim chegou a hora de dar tchau e voltar pra casa. Nos beijinhos, Danielle disse: "Riding a bike together is just like being in a relationship: sometimes he pulls and others you have to pull. But you always have to trust each other".

Achei lindo!

Saturday, April 08, 2006

A Raposa

Noite passada tive esse sonho mais pra pesadelo que, da minha janela, eu via uma raposa perseguindo dois furões selvagens (que na verdade eram Brownie e Muffin mas com um cabelinho mais arrepiado). Eu abri a porta e saí de meias, pisando na grama molhada para defender os bichos. Quando eu vi, a raposa tinha se transformado num lobo preto.

Então de manhã eu estava olhando pela janela quando vi uma raposa passeando na floresta, as folhas secas encharcadas da chuva da noite, e os brotos verdinhos em todas as árvores. Ela olhava de um lado para o outro e parecia feliz, satisfeita da vida. Mas em volta dela, a floresta estava muda. Sem nenhum outro bicho por perto, ela seguia num passinho contente.

Não consegui deixar de pensar em mim e nas minhas tardes sozinha. Me ocupo, mas a solidão às vezes arranha a garganta e o peito. Pisando nas folhas amarelas molhadas, corro sozinha, muitas vezes acordo sozinha. Almoço e passo o dia aqui, no silêncio máximo do meu minúsculo apartamento. Mas não deixo de seguir feliz.

Thursday, April 06, 2006

Tem uma coruja na minha janela. Pequena, parruda, bege e branca, butucuda coruja. Essa manhã acordei com o canto de o que pareciam ser 50 passarinhos. Que barulho, levantei e abri as cortinas, todos cantando o que mais pareciam ser gritos (de passarinho), em pleno vôo e quando eu aparecia na janela, fugiam. E começava de novo, aquela passarinhada, todas as cores, tamanhos e tipos, reunidos em volta da rede e da cerca de madeira, cantando o que mais parecia ser um comício político de aves.

Desliguei os ouvidos e saí de casa. Quando voltei, a mesma história, eles não cansam!! Fiz então o meu próprio barulho, num protesto bobo. Liguei o aquecedor, passei aspirador no chão e por fim (eu me canso, afinal sou gente) liguei a música. No topo do volume das pobres "caixas", se é que posso chamá-las assim, do meu laptop, eu ainda ouvia o canto de um passarinho insistente. Resolvi ceder. No Brasil eu raramente ouvia tais cantos, eram só ônibus (que aliás tremiam o prédio todo), buzinas, música alta. Por isso, cedi. Desliguei a música para ouvir a música desta nova fase da minha vida. Uma fase agradável, tranquila, fresca, feliz.

Por curiosidade, olhei pela janela. Lá estava um micro-passarinho, no ar, cabecinha apontada pra cima, literalmente gritando. Pra quê tanta saliência, meu Deus?! Levantei e fui na porta da varanda (de vidro) para ver melhor e lá estava ele, pi pi pi pi pi pi! pi pi pi pi pi pi! Os olhinhos fixos pra cima, um grito de guerra. Olhei pra onde ele olhava e lá eu vi. Majestosa, comparativamente imensa, um olho aberto e outro fechado - a coruja!

Wednesday, March 01, 2006

Das janelas vejo longas árvores secas e tristes. E olho para dentro do apartamento, preciso ligar o aquecimento pois está ficando frio. Ligo e logo penso que o ar seco que faz meu nariz sangrar todos os dias vai acabar ficando mais seco ainda. São meio-dia, mas sinto como se fossem 9 da manhã - o silêncio (que temo que vá durar o dia todo) e o clima são sempre os mesmos.

Hoje corri pela manhã. É um jeito de conhecer a vizinhança, ficar menos perdida, me localizar mais. Casas e mais casas com carros idênticos nas garagens e ninguém por perto. Um condomínio fantasma? O vento frio deixou as maçãs do meu rosto vermelhas, um cachorro latiu de uma janela - enfim um ser vivo além de mim! - e vim correndo (literalmente) para casa.

Fazendo das palavras de Rubem Alves as minhas "É preciso muito pouco. A alegria está muito próxima. Mora no momento. Nós a perdemos porque pensamos que ela virá no futuro, depois que algum evendo portentoso que mudará a nossa vida. Mas vida: o que é isso?"