Monday, June 19, 2006

Não tenho dinheiro

Não tenho dinheiro e meu aluguel está atrasado. Pus o ad-sense no blog, vendi livro usado pela Amazon, arrumei um emprego antes mesmo da autorização de trabalho chegar (e o pay check chega só daqui a 20 dias), fiz traduções, revisões de texto, transcrições, análises linguísticas, ufa! Mesmo assim, estou sem dinheiro nenhum.

O governo americano enviou meu visto de trabalho mais de 4 meses depois de eu ter feito o pedido e com o prazo de expiração para daí a dois meses. Fantástico, veja somente o lado bom: pelo menos consegui um trabalho. Aí precisei tirar Social Security Number para poder trabalhar (e pagar taxas), que só vai chegar daqui a 6 semanas - menos de 1 mês antes de eu ir embora de volta para o Brasil! E, que ótimo, para ser admitida no emprego ainda tenho que ir no fim do mundo fazer exame físico (pago por mim!), pegar metrô, ônibus, metrô, ônibus, metrô, ônibus... aaaaaaaaahhhhhh! Vida de proletária. Que bosta.

Friday, June 16, 2006

A Escola

Da lista de oito escolas interessadas nos meus prestimos gratuitos, telefonei somente para duas. A minha primeira ligacao esta descrita aqui:

"alo"
"ALO"

"oi, meu nome e ciclana e eu sou a brasileira que a fulana de tal disse que gostaria de trabalhar de voluntaria."
"HUHUM"

"... bem, eu gostaria de saber um pouco mais da escola, onde fica, como e o metodo, o que exatamente voces gostariam de mim..."
"HUHUM"

"... ... bem, sera que voce poderia me falar isso?"
"HUHUM"

"... ? ... ?"
"... ... ..."

"BEM, NOSSA ESCOLA E PEQUENA E ADOTA O METODO TAL. SE VOCE QUISER VIR NOS AJUDAR (PORQUE NOS REALMENTE PRECISAMOS MUITO DE AJUDA) PODE VIR. MAS SE VOCE PREFERIR IR AJUDAR UMA ESCOLA MAIOR QUE TEM MAIS INFRAESTRUTURA, TIPO A ESCOLA TAL, FICA POR SUA CONTA DECIDIR O QUE VOCE ACHA MAIS IMPORTANTE: UMA ESCOLA PEQUENA DE PESSOAS OTIMAS OU UMA ESCOLA GRANDE QUE NAO DA VALOR PRO INDIVIDUO. E ENTAO, VOCE VAI VIR OU NAO?"
"(ainda chocada com o tom de voz e descrente do discurso) Bem, eu gostaria de pensar no assunto, eu tenho uma lista de varias escolas pra escolher... sabe? Eu quero fazer a melhor decisao"

"OUCA, MADAME, NOS REALMENTE PRECISAMOS. O QUE VOCE VAI FAZER PRECISAMENTE? NAO SEI! VOCE PODE TER CERTEZA DE UMA COISA POREM: EM HIPOTESE ALGUMA VOCE ESTARA BABYSITTING AS CRIANCAS OU SOZINHA NA SALA COM ELAS! ISSO SERIA INADMISSIVELLLLLLLL"

Nao sei se por susto, acabei concordando. Que arrependimento. Ja no meu primeiro dia, o cheiro da escola me deu nauseas: a escola nao se dispunha a trocar a fralda das criancas, entao o aroma, para alguem vindo de fora do metie, era simplesmente insuportavel! Na hora do lanche, cenourinhas baby com... cabelo! E ninguem, nenhuma das outras 3 professoras perceberam o longo fio entrelacado no meio das cenouras. Que nojo. Foi um susto tambem olhar para alguns dos pirralhos. Tres deles eram tao mal cuidados (estranho para uma escola tao cara), que parecia ate que eles nunca haviam tomado banho com xampu durante a breve existencia deles. (Mais tarde fui descobrir que algumas pessoas, por motivos religiosos, nao cortam - ou penteiam, no caso - o cabelo dos filhos antes que estes completem 3 aninhos).

Deu meio-dia, mais um choque: as duas professoras do metodo vao embora e me deixam la com uma assistente meia boca legalmente proibida em ficar sozinha com tantas criancas. Como se nao bastasse, a assistente me pergunta se pode ir embora porque nao esta se sentindo tao bem (era sexta feira...), querendo que eu ficasse com as criancas o resto do dia! Hummm... Alguem havia me dito que eu nao ficaria trabalhando de baba... alem disso, um voluntario ficar por conta tambem e fora da lei!! E o que e pior: essas pessoas nunca tinham me visto na vida.

No outro dia (fui pressionada a ir 5 vezes por semana, e resisti a pressao, concordando em ir 2 dias e deixar 2 em aberto. Nunca fui mais que 2 vezes mesmo), me pediram que eu organizasse a sala de aula asap, porque estava um chiqueirinho e eles teriam visita. Na hora em que as visitas chegaram... mesmo estando fora do schedulle (schedulle?? o que e rotina para criancas?), a gurizada e a voluntaria foram mandadas para o parquinho. Enquanto os pais visitantes estavam na escola, eramos expressamente proibidos de voltar. E isso se repetiu varias vezes. Interessante voce querer mostrar uma escola sem criancas dentro... Mas essa logica daquelas malucas fazia muito sentido: nunca vi meninos tao indiciplinados - a nao ser em uma escola em que ensinei em Belo Horizonte - e selvagens em toda a minha vida. A cabeca daquelas criancas funcionava assim: "veja pequeno cerebro! tenho lama nos meus sapatos! vou passar a lama nas mesas e cadeiras da sala de aula! sim! ah! isso e bom! muito bom! hahaha! que legal!". Logo depois, outro pequeno anjo via o coleguinha e pensava: "oh, pequeno cerebro, que lindo o que a beltraninha esta fazendo, deve dar um prazer imenso! sim, vamos fazer tambem". E ninguem falava absolutamente nada.

Os dias se passaram e fiz a feliz descoberta: a escola entraria de ferias dia 15 de junho! Irradiando alegria, contei os dias para que a tortura terminasse. No ultimo dia, vendo que eu havia obtido minha carta de alforria daquela escravidao voluntaria (por pura do de jogar o avental - simbolicamente - e abandonar meu importante posto no meio do semestre), as professoras nao deixaram barato: achando que eu nao estava sendo aproveitada o suficiente, me pediram que eu arrumasse o armario da escola: um quartinho 1x1 com prateleiras lotadas e o chao tambem lotado ate a minha cintura de forma que era impossivel entrar no tal quartinho. Foi a gota d'agua. Era jogo do Brasil e eu nao perderia o jogo para ficar naquele lugar. Entao elas resolveram que seria interessante se eu encaixotasse tudo que eu ja havia organizado dentro do armario e transportasse aquelas caixas para o primeiro andar da escola. Me desculpei e sai de supetao, correndo, com a desculpa de que eu entendia que aquela era uma escola religiosa, mas que eles tambem tinham que entender que no Brasil, a religiao e futebol e que eu estaria cometendo um pecado se perdesse a transmissao ao vivo do jogo do meu pais. La fui eu.

E hoje era o picnic de encerramento das aulas. Fico imaginando aquelas professoras desajeitadas e os pais e maes daqueles pestinhas com os 7 ou 8 irmaozinhos de cada um dos pestinhas (somando todos os alunos com seus respectivos irmaos, mais o desconto de que nem todo mundo tem tanto irmao assim - afinal nem todo mundo e religioso pra xuxu - da um total de umas 110 criancas!) se perguntando: cade aquela shikser-nao-paga que disse que vinha! Ah, nao se pode confiar nos goyim! Otimo... agora eu vou ter que ficar olhando meus 9 filhos suuuuper bem educados!

Nem liguei pra avisar. Foi meu primeiro dia como professora paga "naquelas escolas grandes, com infraestrutura", super divertidas.

Wednesday, June 07, 2006

A transitoriedade da vida e como os americanos se sensibilizam com lágrimas (mas não muito)

Costumo brincar com meu marido dizendo que ele tem ancestrais ciganos. Isso não é verdade, mas sinto que ele não para quieto em um lugar, o que me deixa feliz porque já me acostumei com isso e gosto da perspectiva de nunca passar a vida toda em um só lugar, igual uma árvore, grudada no chão. Meu chão, no interior do Rio Grande gaúcho, é um lugar lindo. Mas já não pertenço. Quero mais.

Acontece que essa indas e vindas dão um ar muito transitório à vida. Para qualquer lugar que eu olhe sei que aquela paisagem representa apenas um curto período de tempo. E se faço tal trajeto todos os dias, as chances são de que eu nunca vá me enfadar deste. É sempre novidade, meus trajetos mudam com as estações e eu estou sempre na expectativa da mudança. Adoro a expectativa.

Então houve a expectativa de conseguir finalmente a carteira de motorista. Faltou um documento (o qual enviei para outro departamento do governo) e a oficiala não se sensibilizou com a história. Meu marido sorrindo, com a nova carteira nas mãos, mas eu não, eu precisaria de outro papel. Dispensada, não deixei barato: chorei alto, igual criança, tremendo. Comoção no MVA! Americanos não estão acostumados com a exibição pública de emoção. Me mandaram para a supervisora, onde eu mal conseguia falar. Outra comoção. Policial, supervisor, supervisor do supervisor do supervisor, a tropa toda. Tenha esperança! Um glimpse de esperança, todos disseram. As lágrimas de crocodilo se secaram, o teatro não durou muito (mas eu mereci um Oscar) e a resposta final foi Não.

De novo, isso também é transitório. Desisti da carteira, sou uma fora da lei.

Tuesday, June 06, 2006

Das diferenças culturais
(Atenção: socióloga extrapola no politicamente incorreto)

Tenho medo, muito medo dos americanos. Tenho medo de pisar no perfeito sidewalk deles e, sem querer, chutar uma pedrinha para o impecável canteiro de flores. Medo de olhar fixamente sem querer para eles ou para o carro deles. Tenho medo de pisar na grama do vizinho, de dizer bom dia, boa tarde, boa noite. Aliás, detesto meus vizinhos americanos brancos. Detesto os chineses também.

Os brancos americanos são agressivos. Duvida? Chega perto do carro deles, seja para atravessar a rua ou esperar alguém. Primeiro, eles assoviam: "fiuu! fiuu!", igual um guardador de carros brasileiro. Se isso não funciona vem o amigável: "get away!". Ok, supondo que você não percebeu que é com você: "get away from my f* car or I'll call the police!". Uns doces os brancos americanos.

Outra situação: você, sem querer, está no caminho de um branco americano. Big mistake! Ele vai gritar com você até você, estupefado, sair do caminho dele (o que aconteceu com o bom e velho "excuse-ME!!"?).

Agora os chineses. E por chinês, perdão, mas estou supondo que eles sejam realmente da china. Você está no metrô. O chinês entra e nem olha pra frente mas vai pisando nos pés de todo o mundo. Apesar de ser proibido comer no metrô, lá vai ele almoçar, sentadinho na cadeira, um sonoro yakisoba! Delicia!

Já que é pra ser politicamente incorreta, vou lenhar os vietnamitas também. Se tem um bicho fazendo ninho no quintal da casa do meu senhorio e este se tornar ciente de tal fato, oh, oh! O bicho será homeless assim que o senhorio perceber a presença do animal. Munido de uma vassoura, la vai o xuxu tocar os pombos, coruja ou passarinhos. "The last thing we need are rats!". Mas coruja come ratos, eu boba, argumentei!

Mas voltemos aos brancos americanos. Eu digo brancos porque tanto o chines quanto o vietnamita já são americanos. Vá ao starbucks por exemplo. Adoro o café, mas que povinho mais pretencioso! Agora eu sou obrigada a saber que o tall significa "small", o grande "medium" e por ai vai! Estude o vocabulário do Starbucks antes de fazer seu pedido porque os garçons têm pavio curto. Vai se complicar pra você ver, a pessoa que está atrás de você na fila pode ficar nervosinha...

Isso remete ao "the soup nazi", do Seinfeld. Aquele tipo de gente só existe aqui na América! Imagina se a pastelaria do Manoel, no centrão de Belo Horizonte, fosse tão picky assim. (Você não pronuncia muzzarela do jeito certo? No pastel for you!) O Manoel iria à falência, sem sombra de dúvida. Mas aqui, na terra das oportunidades, eles são linientes com esse tipo de comportamento. A agressividade é inclusive, muitas vezes, vista com bons olhos. Significa que você tem "drive".

Mas o que mais me irrita aqui na américa é a crescente xenofobia. Depois do 9/11 as coisas começaram a ficar complicadas para o lado dos estrangeiros. Um passo em falso e você é chamado de terrorista, ladrão, third world scum. Vejam a dificuldade que ficou conseguir uma carteira de motorista em Maryland depois do atentado(a saga está descrita no multiply do michael). Somos tratados como escória, até que se prove o contrário. Com o immigration act (em que o presidente fez discurso na tv e tudo mais), vimos os protestos dos americanos em frente à Casa Branca. É triste ler os cartazes. No dia seguinte houve o "dia sem mexicanos" em que a comunidade de imigrantes encorajou que ninguém fosse ao trabalho. A américa parou, não tinha pão nos restaurantes, a grama alta continuou assim, muitos lugares fecharam as portas por 24 horas por falta de staff. E aí você vê os pequenos empresários no noticiário elogiando seus funcionários. São as pequenas grandes contradições.

Monday, June 05, 2006

Banzo

- substantivo masculino 1. processo psicológico causado pela desculturação, que levava os negros africanos escravizados, transportados para terras distantes, a um estado inicial de forte excitação, seguido de ímpetos de destruição e depois de uma nostalgia profunda, que induzia à apatia, à inanição e, por vezes, à loucura ou à morte.

Morte eu acho que não é o caso porém. Mas tenho saudade do Brasil em clima de Copa do Mundo. Tenho saudade de olhar a rua pela janela, no meio de um jogo, e não ver absolutamente nenhuma alma viva (não que eu sinta falta de ver uma rua vazia. Eu vejo isso aqui todos os dias!). Tenho vontade de ir ao café na sexta à noite. Saudade de ir trabalhar no High. Tenho saudade da minha cama, meu sofá, minha cozinha. E mais ainda, dos meus meninos.

Ah, que tristeza que me dá em olhar a floresta e não a favela! Será que já estou no estágio da loucura? Não, não, não se preocupe comigo. Banzo passa. Dou graças a D'us todos os dias por acordar com o canto dos passarinhos e não com o ronco do motor dos ônibus subindo minha rua. Aproveito cada segundo em que tenho o vidro do meu carro aberto num sinal fechado. Aliás, insisto em deixar meu i-pod bem à vista quando estaciono o carro, só pra encontrar ele lá quando eu volto. Que prazer incomensurável! Mesmo assim, ainda me pego sonhando que estou em BH (usualmente na companhia de alguém muito querido). São sonhos felizes.

Outro dia acordei com o Michael gritando. Era um pesadelo em que ele estava na BR, sendo assaltado por dois homens.

Cada um lida com o banzo do seu jeito.