Friday, June 16, 2006

A Escola

Da lista de oito escolas interessadas nos meus prestimos gratuitos, telefonei somente para duas. A minha primeira ligacao esta descrita aqui:

"alo"
"ALO"

"oi, meu nome e ciclana e eu sou a brasileira que a fulana de tal disse que gostaria de trabalhar de voluntaria."
"HUHUM"

"... bem, eu gostaria de saber um pouco mais da escola, onde fica, como e o metodo, o que exatamente voces gostariam de mim..."
"HUHUM"

"... ... bem, sera que voce poderia me falar isso?"
"HUHUM"

"... ? ... ?"
"... ... ..."

"BEM, NOSSA ESCOLA E PEQUENA E ADOTA O METODO TAL. SE VOCE QUISER VIR NOS AJUDAR (PORQUE NOS REALMENTE PRECISAMOS MUITO DE AJUDA) PODE VIR. MAS SE VOCE PREFERIR IR AJUDAR UMA ESCOLA MAIOR QUE TEM MAIS INFRAESTRUTURA, TIPO A ESCOLA TAL, FICA POR SUA CONTA DECIDIR O QUE VOCE ACHA MAIS IMPORTANTE: UMA ESCOLA PEQUENA DE PESSOAS OTIMAS OU UMA ESCOLA GRANDE QUE NAO DA VALOR PRO INDIVIDUO. E ENTAO, VOCE VAI VIR OU NAO?"
"(ainda chocada com o tom de voz e descrente do discurso) Bem, eu gostaria de pensar no assunto, eu tenho uma lista de varias escolas pra escolher... sabe? Eu quero fazer a melhor decisao"

"OUCA, MADAME, NOS REALMENTE PRECISAMOS. O QUE VOCE VAI FAZER PRECISAMENTE? NAO SEI! VOCE PODE TER CERTEZA DE UMA COISA POREM: EM HIPOTESE ALGUMA VOCE ESTARA BABYSITTING AS CRIANCAS OU SOZINHA NA SALA COM ELAS! ISSO SERIA INADMISSIVELLLLLLLL"

Nao sei se por susto, acabei concordando. Que arrependimento. Ja no meu primeiro dia, o cheiro da escola me deu nauseas: a escola nao se dispunha a trocar a fralda das criancas, entao o aroma, para alguem vindo de fora do metie, era simplesmente insuportavel! Na hora do lanche, cenourinhas baby com... cabelo! E ninguem, nenhuma das outras 3 professoras perceberam o longo fio entrelacado no meio das cenouras. Que nojo. Foi um susto tambem olhar para alguns dos pirralhos. Tres deles eram tao mal cuidados (estranho para uma escola tao cara), que parecia ate que eles nunca haviam tomado banho com xampu durante a breve existencia deles. (Mais tarde fui descobrir que algumas pessoas, por motivos religiosos, nao cortam - ou penteiam, no caso - o cabelo dos filhos antes que estes completem 3 aninhos).

Deu meio-dia, mais um choque: as duas professoras do metodo vao embora e me deixam la com uma assistente meia boca legalmente proibida em ficar sozinha com tantas criancas. Como se nao bastasse, a assistente me pergunta se pode ir embora porque nao esta se sentindo tao bem (era sexta feira...), querendo que eu ficasse com as criancas o resto do dia! Hummm... Alguem havia me dito que eu nao ficaria trabalhando de baba... alem disso, um voluntario ficar por conta tambem e fora da lei!! E o que e pior: essas pessoas nunca tinham me visto na vida.

No outro dia (fui pressionada a ir 5 vezes por semana, e resisti a pressao, concordando em ir 2 dias e deixar 2 em aberto. Nunca fui mais que 2 vezes mesmo), me pediram que eu organizasse a sala de aula asap, porque estava um chiqueirinho e eles teriam visita. Na hora em que as visitas chegaram... mesmo estando fora do schedulle (schedulle?? o que e rotina para criancas?), a gurizada e a voluntaria foram mandadas para o parquinho. Enquanto os pais visitantes estavam na escola, eramos expressamente proibidos de voltar. E isso se repetiu varias vezes. Interessante voce querer mostrar uma escola sem criancas dentro... Mas essa logica daquelas malucas fazia muito sentido: nunca vi meninos tao indiciplinados - a nao ser em uma escola em que ensinei em Belo Horizonte - e selvagens em toda a minha vida. A cabeca daquelas criancas funcionava assim: "veja pequeno cerebro! tenho lama nos meus sapatos! vou passar a lama nas mesas e cadeiras da sala de aula! sim! ah! isso e bom! muito bom! hahaha! que legal!". Logo depois, outro pequeno anjo via o coleguinha e pensava: "oh, pequeno cerebro, que lindo o que a beltraninha esta fazendo, deve dar um prazer imenso! sim, vamos fazer tambem". E ninguem falava absolutamente nada.

Os dias se passaram e fiz a feliz descoberta: a escola entraria de ferias dia 15 de junho! Irradiando alegria, contei os dias para que a tortura terminasse. No ultimo dia, vendo que eu havia obtido minha carta de alforria daquela escravidao voluntaria (por pura do de jogar o avental - simbolicamente - e abandonar meu importante posto no meio do semestre), as professoras nao deixaram barato: achando que eu nao estava sendo aproveitada o suficiente, me pediram que eu arrumasse o armario da escola: um quartinho 1x1 com prateleiras lotadas e o chao tambem lotado ate a minha cintura de forma que era impossivel entrar no tal quartinho. Foi a gota d'agua. Era jogo do Brasil e eu nao perderia o jogo para ficar naquele lugar. Entao elas resolveram que seria interessante se eu encaixotasse tudo que eu ja havia organizado dentro do armario e transportasse aquelas caixas para o primeiro andar da escola. Me desculpei e sai de supetao, correndo, com a desculpa de que eu entendia que aquela era uma escola religiosa, mas que eles tambem tinham que entender que no Brasil, a religiao e futebol e que eu estaria cometendo um pecado se perdesse a transmissao ao vivo do jogo do meu pais. La fui eu.

E hoje era o picnic de encerramento das aulas. Fico imaginando aquelas professoras desajeitadas e os pais e maes daqueles pestinhas com os 7 ou 8 irmaozinhos de cada um dos pestinhas (somando todos os alunos com seus respectivos irmaos, mais o desconto de que nem todo mundo tem tanto irmao assim - afinal nem todo mundo e religioso pra xuxu - da um total de umas 110 criancas!) se perguntando: cade aquela shikser-nao-paga que disse que vinha! Ah, nao se pode confiar nos goyim! Otimo... agora eu vou ter que ficar olhando meus 9 filhos suuuuper bem educados!

Nem liguei pra avisar. Foi meu primeiro dia como professora paga "naquelas escolas grandes, com infraestrutura", super divertidas.

2 comments:

shikida said...

ah, o velho choque cultural da higiene... tsc tsc...

mas como vc pode ver, eles precisam mesmo de ajuda ;-)

e a questão da educação, eu tenho uma teoria dos tempos de NY que tudo o que não tem lei proibindo deve ser praticado, segundo a cultura dessas mentezinhas terríveis

Caroline W. said...

Pois é, sem comentários na higiene. Pelo menos na escola nova (em Dupont Circle!) o povo é limpinho! :-)

Quanto à ajuda, eu acho que se a tal escola pegasse fogo (sem ninguém dentro...), talvez fosse a melhor coisa que acontecesse para o futuro das tais mentezinhas terríveis.